Atualizado: 16 jan 2013
CARTA AOS EDITORES
Encaminhamento escolar de crianças e adolescentes para o CAPSi – o peso dos encaminhamentos incorretos
Daniela BordiniI; Ary GadelhaI,II,III,IV; Cristiane Silvestre PaulaI,V; Rodrigo Affonseca BressanI,II,III,IV
IDepartamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, Brasil
IILaboratório Interdisciplinar de Neurosciências (LINC), Departamento de Psiquiatria, UNIFSP, São Paulo, Brasil
IIIPrograma de Reconhecimento e Intervenção de Saúde Mental em Estados de Alto Risco (PRISMA), Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, São Paulo, Brasil
IVPrograma de Esquizofrenia (PROESQ), Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, São Paulo, Brasil
VPrograma de Pós-Graduação em Transtornos de Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil
Estima-se que de 10% a 20% de crianças e adolescentes sofrem de transtornos mentais e que de 3% a 4% possuam graves transtornos, exigindo tratamento intensivo, tais como autismo e psicose infantil.1 Os dados tem demostrado que os serviços de saúde mental para crianças e adolescentes no Brasil somente fornecem cuidado para 14% dos casos com prejuízo funcional.2 Existe, portanto, uma necessidade de identificar o caminho de acesso aos serviços de saúde mental. Tratando-se do cuidado da criança e do adolescente, a educação é um setor de central interesse, pois o ensino primário é obrigatório no Brasil. Os profissionais da educação tem uma perspectiva longitudinal do desenvolvimento sob diversos aspectos, tais como desempenho social e cognitivo. Infelizmente, até onde se tem conhecimento, não há nenhuma iniciativa intersetorial eficaz nesse sentido, apesar das recomendações governamentais. Além disso, existem poucos estudos que tratam das interconexões entre a escola e os cuidados em saúde mental.
No Sistema Único de Saúde (SUS), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são os principais centros de atendimento para crianças e adolescentes com doenças mentais graves e persistentes e/ou com um elevado nível de dano. Além disso, os CAPS devem coordenar o atendimento em saúde mental no nível regional, integrando os setores da saúde, educação, assistência à infância e justiça. Os CAPSi possuem um atendimento universal, ou seja, devem receber todos aqueles que procuram ajuda – o que não significa necessariamente o atendimento e a inclusão de todos.3,4 Quando um encaminhamento para outro local é necessário, a equipe tem a obrigação de procurar ativamente por opções alternativas de encaminhamento.3,5
Para podermos avaliar como as escolas encaminham estudantes a este serviço fundamental, nós fizemos uma pesquisa em único centro, em Vila Maria, um bairro da periferia de São Paulo. Todos os encaminhamentos realizados no período de novembro de 2010 a janeiro de 2012 foram revisados. Havia um total de 927 encaminhamentos, dos quais 141 eram de escolas, representando 16% do total. Destes, apenas 20 (14%) foram aceitos e 121 (86%) foram encaminhados para outros serviços por não apresentar doença mental grave ou persistente e/ou um elevado nível de dano. Este alto percentual de encaminhamentos escolares incorretos pode representar a falta de conhecimento sobre a estrutura do sistema público de saúde ou a ausência de outras opções para encaminhamentos. Este cenário tem um impacto relevante sobre o sistema público de saúde porque cada encaminhamento incorreto representa 2 horas de trabalho de um profissional do CAPSi. Os 121 encaminhamentos incorretos no período de 15 meses resultaram em 242 horas de trabalho, o equivalente a 3 meses de trabalho de um profissional contratado que trabalha 20h/semana, e custaram aproximadamente R$ 7.410,00 reais.
Esta taxa elevada de encaminhamentos incorretos desperdiça tempo, energia e recursos públicos. Tais resultados lançam alguma luz sobre a falta de conhecimento das escolas a respeito da saúde mental infantil; os mesmos dados, porém, devem ser interpretados com cautela, considerando que são de um único CAPSi. Outros estudos são necessários para orientar melhor as políticas de saúde mental no Brasil; no entanto, acreditamos que nossas constatações reafirmam a necessidade da interação intersetorial entre saúde e educação, para melhorar os cuidados de crianças e adolescentes brasileiros e maximizar recursos limitados.
Referência:
- 1. Fleitlich-Bilyk B, Goodman R. Prevalence of child and adolescent psychiatric disorders in southeast Brazil. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2004;(6)43:727-34.
- 2. Paula CS, Duarte CS, Bordin IA. Prevalence of mental health problems in children and adolescents from the outskirts of Sao Paulo City: treatment needs and service capacity evaluation. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29:11-7.
- 3. Pathways to a mental health policy for children and youth / Ministry of Health, Bureau of Health Care, Department of Strategic Programmatic Actions – Brasilia: Publisher of the Ministry of Health, 2005.
- 4. Zavaschi MLS, Estrella CHG. Vulnerable children and adolescents: the interdisciplinary approach in psychosocial care centers – Porto Alegre: Artmed, 2009.
- 5. Ministério da Saúde do Brasil. Portaria nş 336/GM de 19 de fevereiro de 2002. Diário Oficial da União. http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Portaria%20GM%20336-2002.pdf 2002.