Por Fabiana Coimbra Noronha – Neuropsicóloga e Psicóloga Clínica
Funções executivas (FE) são um conjunto de habilidades cognitivas que permitem ao indivíduo direcionar seu comportamento a metas, inibir respostas impulsivas, quebrar hábitos, tomar decisões, avaliar riscos e planejar o futuro (Bosa & Teixeira, 2017).
As funções executivas são compreendidas como sendo um conjunto de processos cognitivos e metacognitivos que possibilitam a autorregulação do comportamento diante das demandas ambientais e o processamento mental de informações (DIAS, GOMES, REPPOLD et al., 2015). São funções com trajetórias de desenvolvimento heterogêneas e pleno ápice de maturação por volta dos vinte anos de idade (BARROS e HAZIN, 2013).
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se como transtorno do desenvolvimento com início na primeira infância e curso evolutivo crônico. Conforme a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), os critérios diagnósticos para o TEA abarcam uma díade de comprometimentos qualitativos nos domínios da Interação/comunicação social e padrões comportamentais (APA, 2014).
Para BOSA e ZANON (2016) as funções executivas vêm igualmente sendo associadas ao desenvolvimento e êxito das relações sociais. Contemporaneamente, fragilidades nas funções executivas têm sido apontadas como mais um elemento envolvido nas falhas de relacionamento social por parte de crianças e adultos autistas.
De forma consensual, as funções cognitivas não são consideradas um constructo único, consequentemente diversos modelos foram propostos com o objetivo de caracterizá-las. Dentre estes, destaca-se o modelo fatorial (DIAMOND, 2013; MIYAKE, FRIEDMAN, EMERSON et al., 2000) que propõe a existência de três habilidades principais, a inibição, a flexibilidade e a memória operacional. Adicionalmente, ressalta-se a importância para a compreensão do espectro autista do modelo que categoriza as funções executivas em componentes “quentes” e “frios”, sendo as primeiras diretamente relacionadas a funções emocionais/motivacionais, responsáveis pela coordenação da cognição e emoção. As segundas, por sua vez, seriam responsáveis pelos componentes cognitivos das funções executivas, requisitados em situações com baixo teor emocional (ARDILA, 2008; DIAS, GOMES, REPPOLD et al., 2015).
O comprometimento das Funções Executivas no TEA, em especial a flexibilidade cognitiva e a memória operacional, podem ser identificadas na ausência ou escassez de brincadeira simbólica, bem como na presença de padrões restritos e repetitivos de interesse e atividade (WING, GOULD, GILLBERG, 2011). JOSEPH e TAGER–FLUSBERG (2004) pontuam que as funções executivas contribuem para o desenvolvimento da dimensão pragmática da linguagem, uma vez que, o funcionamento integrado destas funções permitiria a manutenção e atualização da conversação em curso, sem perder informações relevantes advindas da manipulação de fatos na memória operacional e da inibição de respostas que estão fora do tema.
Disfunções executivas têm sido descritas com grande frequência em estudos clínicos em casos de lesões cerebrais na infância ou de transtornos do desenvolvimento, como transtorno do espectro do autismo (TEA). Em suas expressões comportamentais, os indicadores de impulsividade e disfunção executiva seriam evidenciados nas oscilações de humor e nas explosões emocionais em situações de frustração. Em termos da comunicação, dificuldades de controle inibitório seriam evidenciadas em narrativa pobre, marcada por verbalizações tangenciais.
As funções executivas são bastante desenvolvidas no ser humano em comparação com outras espécies. Trata-se de habilidades de alta complexidade cognitiva e que, quando prejudicadas, podem comprometer importantes processos de adaptação do sujeito ao ambiente. Nesse sentido, as evidências de estudos e trabalhos científicos descrevem expressões cognitivas e comportamentais das alterações do funcionamento executivo em transtornos do desenvolvimento, como o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Dada a sua importância, os TEA vêm sendo alvo de intensa investigação neuropsicológica, sendo as Funções Executivas e Atenção – FE/A – as mais analisadas. Não é sem propósito. A disfunção executiva explica os comportamentos repetitivos, os interesses restritos, a desatenção, a dificuldade com a realização de atos que envolvam uma sequência de mudança, flexibilidade (comportamentos perseverativos) e planejamento que estão presentes nos TEA. Desde 1993, McEvoy, Rogers e Pennington já descreviam as dificuldades das crianças pré-escolares com TEA em atenção seletiva, quando comparadas com crianças com o mesmo nível intelectivo.
Pellicano (apud McEvoy, Rogers & Pennington, 1993) descreveu a correlação entre teoria da mente e FE. As FE são essenciais para o comportamento adaptativo que utiliza como ferramentas o planejamento, a flexibilidade e a regulação das ações voluntárias. Para planejar são necessárias percepção social e evocação de memórias pregressas de ações e de emoções. É também necessário ordenar a sequência de ações com contínuo auto monitoramento e autorregulação, mas mantendo a flexibilidade mental para que mudança de planos possa ser realizada na presença de obstáculos (Anderson, 2002).
Compreender as intenções de outra pessoa requer memória operacional, inibição de interferências, como exemplos; essas funções estão comprometidas nos sujeitos com TEA. A percepção social (habilidade de inferir crenças e intenções do outro) tem sido sempre relacionada com as FE, especialmente em tarefas que envolvem o controle inibitório. Entretanto, observa-se dupla dissociação entre FE e Teoria da Mente (TM) nos transtornos do desenvolvimento. Pacientes com TEA têm dificuldade em flexibilidade cognitiva, que é a habilidade em mudar rapidamente entre múltiplas tarefas e se adaptar a várias demandas do ambiente, mostrando comportamento rígido, com manutenção de padrões prévios de comportamento (Kenworthy et al., 2010). Entretanto, algumas questões devem ser analisadas durante a execução de tarefas de flexibilidade cognitiva nesses pacientes. A primeira se refere ao uso de testes computadorizados. De Vries & Geurts (2012), utilizando o teste Gender-emotion Switch Task em 31 pacientes adultos com Síndrome de Asperger, observaram que em tarefas computadorizadas eles desempenhavam melhor do que face a face com o examinador. Isso poderia explicar o porquê das discrepâncias encontradas nos diferentes estudos. A segunda se refere ao fato de que os testes de flexibilidade cognitiva em geral se baseiam em uma tarefa de mudança como medida, enquanto nas tarefas diárias a demanda de atividades de flexibilidade não é independente. Assim, observa-se que medidas de flexibilidade cognitiva parecem intactas quando avaliadas de forma isolada, mas podem levar a comportamentos perseverantes quando combinadas com outros construtos. Acreditam que, se um teste de flexibilidade cognitiva for associado com um teste que demande memória operacional, pacientes com TEA apresentarão baixo rendimento.
As FE são essenciais para o comportamento adaptativo que utiliza como ferramentas o planejamento, a flexibilidade e a regulação das ações voluntárias. Para planejar são necessárias percepção social e evocação de memórias pregressas de ações e de emoções. É também necessário ordenar a sequência de ações com contínuo automonitoramento e autorregulação, mas mantendo a flexibilidade mental para que mudança de planos possa ser realizada na presença de obstáculos (Anderson, 2002). A valoração das pistas sociais é conhecida como cognição social.
A cognição social é a capacidade de inferir estados mentais de outros – crenças, desejos, conhecimentos e pensamento – e, assim, tentar predizer o seu comportamento (Eapen, Crnčec & Walter, 2013). Compreender as intenções de outra pessoa requer memória operacional, inibição de interferências, como exemplos essas funções estão comprometidas nos sujeitos com TEA.
Embora uma larga gama de estudos recentes tenha contribuído para uma maior e melhor compreensão das características cognitivas do Transtorno do Espectro Autista, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas em busca de refinamento para tal perfil, notadamente em termos da construção de dados que possibilitem tomada de posição robusta e crítica diante das mudanças avançadas pela nosologia apresentada no DSM-5.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992 p.
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ARDILA, Alfredo. On the evolutionary origins of executive functions. Brain and Cognition, v. 68, n. 1, p. 92-99, oct. 2008.
BARROS, Priscila Magalhães; HAZIN, Izabel. Avaliação das funções executivas na infância: revisão dos conceitos e instrumentos. Psicologia em Pesquisa, v. 7, n. 1, p. 13-22, jan.-jun. 2013.
BOSA, C. A., & TEIXEIRA, M. C. T. V. (2017). Autismo: Avaliação psicológica e neuropsicológica (1 ed). São Paulo: Hogrefe.
BOSA, Cleonice Alves; ZANON, Regina Basso. Avaliação psicológica no contexto do Transtorno do Espectro Autista na Infância: realidade brasileira. In: HUTZ, Claudio Simon; BANDEIRA, Denise Ruschel; TRENTINI, Clarissa Marceli; KRUG, Jefferson Silva (Org.). Psicodiagnóstico. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
DIAMOND, Adele. Executive functions. Annual Review of Psychology, v. 64, p. 135-168, jan. 2013.
DIAS, Natália Martins; GOMES, Cristiano Mouro Assis; REPPOLD, Caroline Tozzi; FIORAVANTI-BASTOS, Ana Carolina Monnerat; PIRES, Emmy Uehara; CARREIRO, Luiz Renato Rodrigues; SEABRA, Alessandra Gotuzo. Investigação da estrutura e composição das funções executivas: análise de modelos teóricos. Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 17, n. 2, p. 140-152, maio-ago. 2015.
EAPEN, V., Crn čec, R. & WALTER, A. (2013) Exploring links between genotypes, phenotypes, and clinical predictors of response to early intensive behavioral intervention in autism spectrum disorder. Frontal Human Neuroscience, 7, 567.
JOSEPH, Robeth M.; TAGER–FLUSBERG, HELEN. The relationship of theory of mind and executive functions to symptom type and severity in children with autism. Developmental Neuropsychology, v. 16, n. 1, p. 137–155, mar. 2004.
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AUTORA:
Fabiana Coimbra Noronha
Neuropsicóloga e Psicóloga Clínica
Colaboradora do TEAMM/UNIFESP